segunda-feira, 16 de julho de 2012

A DESLOCALIZAÇÃO DOS… TRIBUNAIS

Por estes dias, fomos confrontados com o chamado Documento Intercalar sobre a Reforma Judiciária empreendida pelo Ministério da Justiça. Aliás, como já é do conhecimento público, este documento veio na sequência do Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária, publicado em Janeiro deste ano, que fez adivinhar as intenções deste Executivo em relação à Organização Judiciária. 

Para nós, cidadãos da Beira Interior, região inóspita do nosso país de dimensões continentais, estes ensaios, reformas ou reestruturações, mais não são do que eufemismos para uma verdade: encerrar ou cortar no funcionamento dos tribunais do nosso Distrito. Se tivermos o cuidado de ler aquele Ensaio de Reorganização Judiciária, encontramos pontos que só nos podem levar a concluir que quem fez aquele estudo não conhece o país onde vive. Senão vejamos: logo no início do Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária, na sua página 9, estabelecem os seus autores como “princípios ordenadores” daquele documento a “extinção dos tribunais em que se verifique um movimento processual inferior a 250 processos entrados/ano” e “privilegiar a proximidade ao cidadão, sempre que possível”, entre outros. Mais adiante, na página 17 estabelecem também, como critérios para a ponderação do encerramento dos serviços, entre outros: o “volume processual subsistente expectável após reorganização, inferior a 250 processos entrados” e a “distância entre o tribunal a encerrar e aquele que vai receber o processo passível de ser percorrida em tempo inferior a cerca de 1 hora”. Ora, ponderando estes critérios, e sabendo que no próprio documento se recomenda a extinção dos Tribunais de Oleiros e Penamacor, tendo, em cada um deles comparado a sua situação com a das comarcas vizinhas da Sertã e Idanha-a-Nova, respectivamente, só podemos concluir que quem elaborou este trabalho não conhece mesmo o país onde vive. Por um lado, reconhecem, como princípio orientador, a proximidade dos cidadãos à Justiça, mas por outro, entendem que os cidadãos das áreas geográficas de Oleiros e Penamacor, não têm direito a uma Justiça de proximidade, fruto do “volume expectável” inferior ao limite dos 250 processos entrados nos seus tribunais. Mas não fica por aqui, alega-se ainda o facto de se poderem deslocar ao tribunal mais próximo, no caso dos habitantes da zona de Oleiros, o da Sertã, em menos de uma hora, considerando ainda, na sua página 122, “que existem bons acessos rodoviários entre os dois municípios (Sertã e Oleiros)”, ora, isto só pode 

ser referido por alguém que não foi ao local e não conheça Portugal e a Beira Interior, em particular, é que a estrada que liga Sertã a Oleiros está longe de ser uma via em boas condições, desconhecendo o autor daquele trabalho que aquela é uma das tais estradas do nosso país cujo traçado se pode caracterizar como sendo de “curva e contra-curva”. De realçar, ainda relativamente às distâncias, que o próprio Ensaio admitiu que o acesso das populações aos seus “novos tribunais” em transporte público não pode “funcionar como diferenciador, uma vez que nas localidades analisadas a oferta revelou-se, para todos, praticamente inexistente”, porém, nem isto é razão para concluir pela manutenção dos referidos tribunais. 

A somar ao que vem sendo dito, há que referir alguns pontos de natureza mais jurídica contra o encerramento dos tribunais e da sua deslocalização para um lugar mais distante de uma comunidade. É pacífico, e assim está estabelecido na lei processual civil, que, por exemplo, uma acção que tenha como objecto uma questão relacionada com bens imóveis, o tribunal territorialmente competente seja o do lugar onde aquele bem se encontre, é o tribunal da área geográfica, onde a maioria das testemunhas desses processos residem, sendo-lhes muito fácil comparecer para depor, trata-se de uma questão jurídica e de senso comum. Ao extinguirem-se tribunais, especialmente do Interior, onde estas acções sobre bens imóveis são mais frequentes, é esvaziar por completo o sentido daquela norma do processo civil. Mas não é só no âmbito do processo civil que a questão da proximidade é fulcral, também em matéria penal assim o é. A prática de um determinado crime num dado espaço geográfico afecta, em especial, a comunidade a ele pertencente, princípio este reconhecido no Código de Processo Penal. Ao extinguir-se o tribunal daquela área mais próxima, passando para outro mais distante do que o primeiro, também aquela norma processual fica esvaziada de sentido. Infelizmente, ainda esta semana tivemos no nosso Distrito um exemplo na área do crime, a propósito do duplo homicídio em Segura, o tribunal territorialmente competente é o de Idanha-a-Nova, se se encerrasse aquele tribunal, seria competente o de Castelo Branco, ora, é certo que aquele crime hediondo nos chocou a todos, mas a comunidade especialmente abalada foi a de Segura, lugar onde se conheciam todos os intervenientes naquele infeliz acontecimento, com os quais Idanha-a-Nova tem muito mais ligação, dada a pequena distância que separa as duas povoações, do que a cidade de Castelo Branco.
Em jeito de conclusão, a política faz-se de opções, a decisão de encerrar tribunais é uma opção política do governo, mas mais ainda, trata-se de um sinal que dá 

aos restantes agentes da comunidade, sejam particulares ou empresas, se o Estado entende que não vale a pena ter um tribunal numa dada localidade, como é que se pode esperar que aquela região seja atractiva para cidadãos e empresas? Os princípios que norteiam a organização e a gestão judiciária jamais podem ser idênticos ao de uma qualquer empresa!


Texto de Opinião do Camarada João Vicente, membro da Comissão Política Concelhia e da Comissão Política Distrital da Juventude Socialista, publicado no jornal Gazeta do Interior

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