Por estes dias, fomos confrontados com o chamado Documento
Intercalar sobre a Reforma Judiciária empreendida pelo Ministério da
Justiça. Aliás, como já é do conhecimento público, este documento veio
na sequência do Ensaio para a Reorganização da Estrutura Judiciária,
publicado em Janeiro deste ano, que fez adivinhar as intenções deste
Executivo em relação à Organização Judiciária.
Para nós,
cidadãos da Beira Interior, região inóspita do nosso país de dimensões
continentais, estes ensaios, reformas ou reestruturações, mais não são
do que eufemismos para uma verdade: encerrar ou cortar no funcionamento
dos tribunais do nosso Distrito. Se tivermos o cuidado de ler aquele
Ensaio de Reorganização Judiciária, encontramos pontos que só nos podem
levar a concluir que quem fez aquele estudo não conhece o país onde
vive. Senão vejamos: logo no início do Ensaio para a Reorganização da
Estrutura Judiciária, na sua página 9, estabelecem os seus autores como
“princípios ordenadores” daquele documento a “extinção dos tribunais em
que se verifique um movimento processual inferior a 250 processos
entrados/ano” e “privilegiar a proximidade ao cidadão, sempre que
possível”, entre outros. Mais adiante, na página 17 estabelecem também,
como critérios para a ponderação do encerramento dos serviços, entre
outros: o “volume processual subsistente expectável após reorganização,
inferior a 250 processos entrados” e a “distância entre o tribunal a
encerrar e aquele que vai receber o processo passível de ser percorrida
em tempo inferior a cerca de 1 hora”. Ora, ponderando estes critérios, e
sabendo que no próprio documento se recomenda a extinção dos Tribunais
de Oleiros e Penamacor, tendo, em cada um deles comparado a sua situação
com a das comarcas vizinhas da Sertã e Idanha-a-Nova, respectivamente,
só podemos concluir que quem elaborou este trabalho não conhece mesmo o
país onde vive. Por um lado, reconhecem, como princípio orientador, a
proximidade dos cidadãos à Justiça, mas por outro, entendem que os
cidadãos das áreas geográficas de Oleiros e Penamacor, não têm direito a
uma Justiça de proximidade, fruto do “volume expectável” inferior ao
limite dos 250 processos entrados nos seus tribunais. Mas não fica por
aqui, alega-se ainda o facto de se poderem deslocar ao tribunal mais
próximo, no caso dos habitantes da zona de Oleiros, o da Sertã, em menos
de uma hora, considerando ainda, na sua página 122, “que existem bons
acessos rodoviários entre os dois municípios (Sertã e Oleiros)”, ora,
isto só pode
ser referido por alguém que não foi ao local e não
conheça Portugal e a Beira Interior, em particular, é que a estrada que
liga Sertã a Oleiros está longe de ser uma via em boas condições,
desconhecendo o autor daquele trabalho que aquela é uma das tais
estradas do nosso país cujo traçado se pode caracterizar como sendo de
“curva e contra-curva”. De realçar, ainda relativamente às distâncias,
que o próprio Ensaio admitiu que o acesso das populações aos seus “novos
tribunais” em transporte público não pode “funcionar como
diferenciador, uma vez que nas localidades analisadas a oferta
revelou-se, para todos, praticamente inexistente”, porém, nem isto é
razão para concluir pela manutenção dos referidos tribunais.
A
somar ao que vem sendo dito, há que referir alguns pontos de natureza
mais jurídica contra o encerramento dos tribunais e da sua
deslocalização para um lugar mais distante de uma comunidade. É
pacífico, e assim está estabelecido na lei processual civil, que, por
exemplo, uma acção que tenha como objecto uma questão relacionada com
bens imóveis, o tribunal territorialmente competente seja o do lugar
onde aquele bem se encontre, é o tribunal da área geográfica, onde a
maioria das testemunhas desses processos residem, sendo-lhes muito fácil
comparecer para depor, trata-se de uma questão jurídica e de senso
comum. Ao extinguirem-se tribunais, especialmente do Interior, onde
estas acções sobre bens imóveis são mais frequentes, é esvaziar por
completo o sentido daquela norma do processo civil. Mas não é só no
âmbito do processo civil que a questão da proximidade é fulcral, também
em matéria penal assim o é. A prática de um determinado crime num dado
espaço geográfico afecta, em especial, a comunidade a ele pertencente,
princípio este reconhecido no Código de Processo Penal. Ao extinguir-se o
tribunal daquela área mais próxima, passando para outro mais distante
do que o primeiro, também aquela norma processual fica esvaziada de
sentido. Infelizmente, ainda esta semana tivemos no nosso Distrito um
exemplo na área do crime, a propósito do duplo homicídio em Segura, o
tribunal territorialmente competente é o de Idanha-a-Nova, se se
encerrasse aquele tribunal, seria competente o de Castelo Branco, ora, é
certo que aquele crime hediondo nos chocou a todos, mas a comunidade
especialmente abalada foi a de Segura, lugar onde se conheciam todos os
intervenientes naquele infeliz acontecimento, com os quais Idanha-a-Nova
tem muito mais ligação, dada a pequena distância que separa as duas
povoações, do que a cidade de Castelo Branco.
Em jeito de
conclusão, a política faz-se de opções, a decisão de encerrar tribunais é
uma opção política do governo, mas mais ainda, trata-se de um sinal que
dá
aos restantes agentes da comunidade, sejam particulares ou
empresas, se o Estado entende que não vale a pena ter um tribunal numa
dada localidade, como é que se pode esperar que aquela região seja
atractiva para cidadãos e empresas? Os princípios que norteiam a
organização e a gestão judiciária jamais podem ser idênticos ao de uma qualquer empresa!
- Texto de Opinião do Camarada João Vicente, membro da Comissão Política
Concelhia e da Comissão Política Distrital da Juventude Socialista, publicado
no jornal Gazeta do Interior